A maioria dos saboeiros aprende que existe um momento da fórmula em que é preciso escolher: ou se desconta soda cáustica para garantir sobregordura, ou se adiciona uma gordura extra ao final do processo. Essas duas formas de enriquecer o sabão com propriedades emolientes são as mais conhecidas e ensinadas. Mas o que muita gente ainda não sabe é que existe uma terceira via — mais sutil, mais química e surpreendentemente eficiente: aquela que transforma o sabão de dentro pra fora, através de uma reação entre o sal que já foi formado e um ácido novo que chega para deslocar o sódio e libertar, mais uma vez, o ácido graxo.
Sim, estamos falando da chamada terceira sobregordura: um fenômeno que ocorre quando adicionamos ácidos orgânicos — como o ácido lático ou cítrico — ao final da saponificação, provocando uma troca entre sais e modificando profundamente a estrutura do sabão. Pode parecer alquimia, mas é pura química — e ela pode mudar a forma como você formula a partir de agora.
Para entender a terceira sobregordura, é preciso lembrar o básico: sabão é o sal de um ácido graxo. Quando a soda cáustica encontra a gordura, ocorre uma reação chamada saponificação, em que os triglicerídeos se rompem, liberam ácidos graxos, e estes se ligam ao sódio, formando sabão — um sal de sódio.

Mas e se, ao final dessa reação, adicionarmos um novo ácido mais forte que o ácido graxo que está ligado ao sódio? O que acontece é uma reação de substituição: esse novo ácido “captura” o sódio e o transforma em outro sal, como o lactato de sódio (no caso do ácido lático) ou o citrato de sódio (no caso do cítrico). E ao fazer isso, ele liberta o ácido graxo de volta — exatamente como se tivéssemos feito uma nova sobregordura.
E tem mais: o lactato de sódio é altamente higroscópico, ou seja, ajuda a manter a umidade e ainda endurece a barra de sabão, criando estrutura e durabilidade. Já o citrato de sódio é um poderoso quelante natural, que ajuda a evitar a oxidação da fórmula e o temido enrancimento, além de suavizar a ação dos sais metálicos presentes na água. Ao passo que ambos são liquidos adicionados ou na lixivia, ou ao final, e dessa forma devem ser descontados da água, além de consideradas no cálculo da sobregordura e contribuem para uma massa mais fluida na hora de informar, mas mais dura e espumante após a cura. Para aprender a formular considerando esses conceitos avançados, estude conosco na nossa plataforma de aprendizado, e vamos aprender juntas desde o básico até a excelencia de cada formulação que você sonhar em fazer ;)
Para que essa reação aconteça, é importante que ainda exista sódio disponível — ou seja, que a soda cáustica já tenha sido consumida, mas que o sabão já formado ainda esteja presente em meio quente e aquoso. Assim, o ácido não se limita a neutralizar uma soda livre (como se usa o ácido cítrico apenas para ajuste de pH), mas atua sobre o sal já formado. E aí está o diferencial: ele não apenas equilibra, mas transforma. Ele desloca o sódio e traz de volta o ácido graxo por substituição.
O que antes pareciam apenas químicos que “para deixar o sabão mais duro” ou uma “forma natural de quelar” revela uma nova camada de compreensão e possibilidades de reações químicas e autonomia, sobre o que é um sabão: um sistema dinâmico, reativo, que pode ser ajustado até os últimos momentos na bacia, o que é a Saboeira se não uma alquimista dos novos tempos?
A terceira sobregordura não é uma necessidade, é um convite a formular com mais possibilidades, sensibilidade, intenção e ciência.