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A Jornada pela Regulamentação.

Da Cosmética Artesanal no Brasil: Da Margem à Lei.

Depois de anos de mobilização, articulação e resistência, temos uma conquista histórica para celebrar: a Lei 15.154/2025 foi sancionada. Essa lei obriga a ANVISA a apresentar, em até 60 dias, um regramento específico e simplificado para a produção artesanal de cosméticos, produtos de higiene e perfumaria. A vitória é imensa — mas seu caminho foi longo, árduo e marcado por muitas vozes.




Depois de anos de mobilização, articulação e resistência, temos uma conquista histórica para celebrar: a Lei 15.154/2025 foi sancionada. Essa lei obriga a ANVISA a apresentar, em até 60 dias, um regramento específico e simplificado para a produção artesanal de cosméticos, produtos de higiene e perfumaria. A vitória é imensa — mas seu caminho foi longo, árduo e marcado por muitas vozes.

Este artigo reúne toda a trajetória do movimento da cosmética artesanal no Brasil, para que possamos honrar essa construção coletiva e manter viva a memória de como chegamos até aqui.


Tudo começou com uma invisibilidade

Durante décadas, quem produzia sabonetes artesanais, desodorantes naturais ou cosméticos botânicos se via em um limbo jurídico. A legislação sanitária vigente, centrada na realidade da indústria, ignorava completamente a existência dos pequenos produtores artesanais — em sua maioria mulheres, empreendedoras, saboeiras e cuidadoras.

Mesmo com produtos seguros, sustentáveis, biodegradáveis e com enorme valor agregado, esses trabalhadores viviam à margem da legalidade. Produzir artesanalmente significava estar ilegal, mesmo quando havia rigor técnico, cuidado e responsabilidade.


A primeira tentativa: diálogo com a ANVISA

Em um primeiro momento, o movimento buscou uma via direta: um canal de diálogo com a ANVISA para construir um regulamento técnico específico para o setor artesanal. Mas essa porta permaneceu sistematicamente fechada.

A ausência de resposta levou o movimento a uma nova estratégia: buscar o caminho legislativo, pressionando o Congresso Nacional para criar uma lei que obrigasse o órgão regulador a agir.


O nascimento de um Projeto de Lei: PL 331/2016

Foi o senador Cidinho Santos, do PL/MT, quem apresentou o PL 331/2016, propondo incluir a saboaria artesanal na Lei do Artesanato. A proposta era simples e justa: se reconhecesse a saboaria como atividade artesanal, com isso se criaria uma base legal para exigir uma regulamentação proporcional à sua realidade.

Esse projeto foi aprovado no Senado, mas ao chegar à Câmara dos Deputados, enfrentou resistência, especialmente de setores que alegavam riscos sanitários e concorrência desleal. O parecer do deputado Dr. Frederico, relator na Comissão de Seguridade Social e Família, foi contrário — e isso gerou indignação e mobilização.




O movimento se fortalece: NUSCAN e articulações nacionais

A resposta do movimento foi crescer. Surgiram articulações como o NUSCAN (Núcleo de Saboaria e Cosmética Artesanal e Natural) e a Articulação Nacional, grupos que uniram mestres saboeiros, empreendedores, técnicos, químicos e artesãos de todo o Brasil. Reunindo-se mensalmente, esses grupos construíram documentos técnicos, organizaram lives, escutas públicas e desenvolveram propostas concretas de normatização.

Figuras como Mara Maria, Beth Baccini, Nilbo Nogueira e Roberto Akira tiveram papel fundamental nesse fortalecimento do movimento.


Um novo fôlego: PL 7.816/2017 e PL 1281/2022

Em meio a esse cenário, um novo projeto ganhou fôlego: o PL 7.816/2017, que após passar pela Câmara com apoio unânime, chegou ao Senado na forma do PL 1281/2022.

Entretanto, novamente, enfrentamos um parecer contrário — desta vez do senador Otto Alencar (PSD/BA), relator na Comissão de Assuntos Sociais, que alegou riscos à segurança sanitária.

O movimento respondeu com contundência: campanhas de e-mail, textos abertos, pressão nas redes, lives e novos documentos. Mostramos que a busca era, justamente, aumentar a segurança e não precarizá-la, e que regulamentação proporcional não é ausência de controle, mas justiça regulatória.


A construção coletiva de um modelo

Paralelamente à tramitação legislativa, os grupos da Articulação Nacional trabalharam coletivamente em um modelo técnico de boas práticas para cosméticos artesanais, baseado em segurança, rastreabilidade e procedimentos adequados à pequena escala.

Organizamos debates públicos, como a live histórica em 5 de outubro com os químicos André Martins e Dani Marcato, e disponibilizamos uma proposta de regulamentação, demonstrando que o setor estava pronto para assumir responsabilidades — desde que com regras claras e viáveis.


E então… A Lei 15.154/2025 é sancionada!

Depois de quase uma década de lutas formais (e muitas mais de invisibilização), em julho de 2025 foi sancionada a Lei 15.154, que modifica a Lei nº 6.360/1976, a mesma que criou a ANVISA, obrigando-a agora a criar um regime específico e simplificado para a cosmética artesanal.

A lei garante que a realidade das pequenas produções será considerada, promovendo:

  • Redução de custos e burocracias;

  • Segurança jurídica para milhares de artesãs;

  • Reconhecimento da cosmética artesanal como atividade legítima e digna;

  • Abertura para regulamentação técnica justa e participativa.

Mas atenção: a nova regulamentação ainda não foi publicada. A Anvisa tem agora 60 dias para apresentar esse novo regramento. Até lá, as regras sanitárias atuais continuam válidas. Não é hora de produzir em casa para venda ampla sem adequações, mas sim de comemorar o avanço, ficar atentas e continuar contribuindo para que a regulamentação seja de fato justa, aplicável e segura.


Um movimento que fez história

Este movimento foi construído com suor, afeto, cuidado e sabedoria ancestral. Com a força das saboeiras, das formuladoras, das comunidades e dos apoiadores, saímos da margem e entramos para a história.

Agora, seguimos atentas, vigilantes e dispostas a participar da construção da regulamentação que está por vir. Sabemos que há desafios, mas sabemos também da nossa força.

"Nós somos aqueles por quem estávamos esperando."

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